Presidente do Sinpol é entrevistado pela edição dominical do jornal Tribuna Ribeirão, o único jornal diário impresso em Ribeirão Preto. Confira a reportagem.
‘Zumbis’ que furtam tudo por droga
Agindo na calada da noite, muitas vezes sem qualquer preocupação, furtos diversos têm objetivo único: comprar alguma porção de droga
Geralmente eles agem na calada da noite. Mas as imagens das câmeras de segurança, cada vez mais presentes pelas ruas da cidade, mostram uma triste realidade: o aumento e a diversidade de pequenos – alguns nem tanto – furtos praticados com o objetivo único de conseguir uns trocados para comprar uma pedra de crack ou outra droga.
Ousadia e repertório são grandes. Ponto de ônibus, fios de eletricidade, lixeiras, números de identificação de residências, maçanetas, tampas de bueiro, grades de bocas de lobo, tapumes de canteiro de obras, postes de iluminação e até trilhos de trem.
Agindo de madrugada, como se fossem zumbis em um filme pós-apocalíptico, é quase impossível combater essas ações criminosas. A Polícia Militar conta com denúncias ou com a sorte de flagrar um furto. Mas, por conta de muitas vezes não haver registro de ocorrência, a PM não tem como identificar os locais mais problemáticos. O trabalho é feito em cima de boletins de ocorrência (leia nesta página). Assim, somam-se os furtos que deixam a população assustada e espantada pela ousadia.
Flagrantes
Somente no mês de maio, imagens de câmeras de segurança registraram vários casos. Como o furto de fios na avenida Costa e Silva (Zona Norte), por volta de 20h, com o ladrão sequer se importando com o movimento de veículos. No dia seguinte, pane nos semáforos da região.
Houve o furto de um ponto de ônibus no Planalto Verde (Zona Oeste). O homem pacientemente conseguiu quebrar a base e foi embora com o ponto, causando transtornos para quem utiliza o transporte coletivo naquela região.
Nos Campos Elíseos (Zona Norte), uma grade de bueiro foi levada durante a noite e, de dia, um veículo caiu com a roda dianteira sobre o buraco, ao manobrar. Uma creche na Vila Elisa (Zona Norte) sofreu dois furtos de fios num único final de semana e as aulas foram suspensas.
Em abril, não foi diferente. Um homem foi pego pouco depois de furtar uma pia na Vila Tibério (Zona Oeste). Uma viatura da Central de Polícia Judiciária (CPJ) Integrada passava pelo local e acabou prendendo o ladrão em flagrante. Assim como a Guarda Civil Municipal de Ribeirão Preto, que prendeu um grupo de pessoas roubando trilhos de trem próximo à Estrada do Piripau (Zona Leste).
R$ 15 mil
Um engenheiro civil, que prefere não se identificar, teve um prejuízo de R$ 15 mil com furtos. Ele tem uma casa que estava para alugar no Jardim Califórnia (Zona Sul). “Pularam o portão e a cerca elétrica colocando um cobertor em cima e depois arrombaram a porta principal. Tive que refazer toda a parte elétrica, colocar novas torneiras, novos registros, novo chuveirão da piscina, novas grades dos ralos que eram de ferro, novas maçanetas, trocar parte do armário da cozinha, porque quando ele roubou as torneiras, deixou vazando água que caiu nos armários de madeira, que estufaram. Tive também que rebocar e pintar as partes danificadas. Gastei cerca de R$ 15 mil”, lamenta.
Uma das principais vítimas das pessoas que furtam o que encontram pela frente para conseguir algum dinheiro e comprar mais droga é a prefeitura de Ribeirão Preto. A Secretaria de Infraestrutura e a de Água e Esgoto (Saerp) são as principais prejudicadas.
Em nota, a Secretaria de Infraestrutura e a Saerp informam que foram identificados os furtos de tampas de poços de visita de galeria de águas pluviais, de grades de ferro, de grandes proporções em praças e poços de abastecimento da Saerp. “As Secretarias estão investindo na implantação de sistemas de segurança, além de contarem com o apoio da Guarda Civil Municipal no patrulhamento dos próprios públicos”, informam em nota.
Um fator preocupa demais. Se há quem comete o crime, é porque há quem compre o produto furtado. Ou seja, o receptador. O tenente coronel aposentado da Polícia Militar, especialista em segurança pública e representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho Municipal de Segurança Pública, Marco Aurélio Gritti concorda que a maior parte dos crimes de furto e roubo ocorrem para alimentar o vício em droga lícita, como o álcool e ilícita, como o tráfico.
“Esse ciclo criminoso alimenta também o crime de receptação. A meu ver, o combate aos crimes patrimoniais, além do reforço do policiamento ostensivo e da investigação para se chegar aos autores, requer rigorosa e constante fiscalização municipal nos ‘desmanches’, com imediata interdição em caso de ilegalidade, bem como rever a legislação no sentido de impor maior rigor nas penas, pois que esses criminosos num curto espaço de tempo, quando presos, voltam às ruas para cometer novos crimes”, ressalta.
Impossível combater receptação
Célio Antônio Santiago avalia que sejam necessários mais 100 investigadores para combater a receptação
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Região de Ribeirão Preto (Sinpol), Célio Antônio Santiago, diz que é impossível combater a receptação com a carência de efetivo. “A Polícia Civil tem uma enorme defasagem. Para realizar ações contra os receptadores, que alimentam esse mercado de furtos, seria preciso, no mínimo, mais 100 investigadores só em Ribeirão Preto. Em toda a nossa região, pelo menos mais 300 investigadores. E temos apenas 10 investigadores nos oito Distritos Policiais que agruparam. Assim fica impossível. Além disso, não bastam apenas investigadores. Precisamos de mais 150 escrivães e pelo menos mais 20 delegados. Isso só para Ribeirão Preto”, diz.
O Sinpol denuncia há vários anos o esvaziamento da Polícia Civil. De acordo com levantamento do Sindicato, entre janeiro de 2020 até março de 2022, aposentaram-se 65 policiais civis na região de Ribeirão Preto. Vieram apenas 33 policiais civis nomeados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). Praticamente 50% das vagas em aberto deixaram de ser preenchidas.
“Aposentaram-se 26 investigadores e chegaram somente 13. Como vamos combater o crime de receptação? Além da investigação, tem o inquérito. Cada escrivão toca 700 inquéritos. Alguns chegam a 1.000. Como fazer um trabalho eficaz e dar a resposta à população se não há policiais?”, indaga.
“O governo poderia contratar policiais civis aposentados para realizar serviços administrativos e entregar intimações, liberando os policiais civis, já propomos isso. Mas em caráter emergencial, porque só vai estabilizar contratando novos policiais. Estimamos em 15 mil o déficit de policiais civis no Estado”, finaliza.
PM destaca importância em registrar BO
Em nota, a Polícia Militar explica que está atenta à situação e destaca a importância em registrar as ocorrências de furto e roubo, pois todo planejamento de policiamento ostensivo baseia-se em informações retiradas de bancos de dados estatais e isso auxilia o planejamento operacional e também os trabalhos de investigação de Polícia Judiciária, feito pela Polícia Civil.
“Cumpre destacar que o problema envolvendo pessoas em situação de rua na verdade trata-se de uma vulnerabilidade social que atualmente aflige as nossas cidades, cuja solução demanda o concurso de outros órgãos e entes estatais além da Segurança Pública; quanto ao destino das ‘res furtivas’ trata-se de uma situação que envolve todo um trabalho estratégico investigatório, que como é sabido cabe à Polícia Civil”, afirma a nota.
Desde o início de 2022, somente o 51º Batalhão, que cuida das zonas Sul, Centro e Oeste da cidade, prendeu 415 pessoas, recuperou 101 veículos, realizou mais de 49 mil buscas pessoais e fiscalizou mais de 33 mil veículos, além de apreender 65 armas e 21 quilos de drogas.
Polícia Civil trabalha com Inteligência
O Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Deinter-3), órgão que responde pela Polícia Civil em 93 cidades da região, informou, através de nota, que tem intensificado ações de investigação visando identificar autores de crimes de furtos e roubos e também dos receptadores. Cita exemplo de diversas prisões em flagrantes de autores de furtos de fios de cobre, por exemplo, com prisão de receptadores.
“O fechamento de estabelecimentos comerciais demanda ação dos órgãos competentes a nível estadual e municipal, os quais tem participado com a Polícia Civil no enfrentamento da receptação de material relacionado a crimes. Há trabalho de inteligência policial realizado para a identificação e cadastramento dos locais destinados a compra de material furtado/roubado visando futuras ações policiais”.
SSP
A Secretaria da Segurança Pública (SSP), também em nota, destaca a importância de registrar as ocorrências para orientar o policiamento nas ruas e possibilitar investigações para detenção dos autores e cita que o registro também pode ser feito pela internet, através da Delegacia Eletrônica, além das delegacias físicas. “O trabalho conjunto das forças policiais na região resultou, somente nos três primeiros meses de 2022, na prisão de 598 criminosos, apreensão de 58 armas de fogo ilegais e recuperação de 224 veículos roubados ou furtados”, conclui.
Fonte: Jornal Tribuna Ribeirão – https://www.tribunaribeirao.com.br/site/zumbis-que-furtam-tudo-por-droga/